19.06.2021 à 01.09.2021 | Floresta Negra
Exposição Individual de João Alexandrino Aka JAS (PT)
Algumas notas sobre a Floresta ao negro de JAS
Ao propor-nos a floresta, JAS emerge da água que, em Underwater, se apresentava como uma absolvição prévia a uma espécie de blitz interior que a derrocada da “aterragem” prefigurava e que parecia ser o destino requisitado pelo olhar do artista.
In his latest proposition – a forest – JAS emerges from the water that, in Underwater, presented itself as an absolution prior to a kind of internal blitz that the collapse of the “landing” anticipated, and that seemed to be the destiny requested by the artist’s glaze.
A sua série, mais paisagista, parecia imbuída de um excesso visual, de uma exuberância comunicativa que propunha para o princípio da água um investimento concreto de desaguamento, por sua vez animado com a ideia de retrocesso na evolução.
His series, focused on landscapes, seemed imbued with a visual excess and communicative exuberance that proposed to the principle of water a concrete investment of dewatering, in turn excited with the idea of a retrogression in the evolution.
Mas nas peças finais de Underwater previa-se, afinal, o modo de entrada em Floresta Negra. À semelhança de um Orlando furioso, as peças declinavam um entalhe severo em madeira, em que o traço era feito pela ausência, pelo rasgo, como que querendo buscar pela escrita o objecto amado, que, para um artista visual, tem de ser objecto representado. A folha branca era negra, e o corte o traço que desvendava, através de uma solução de continuidade, o coração do representado, ou o que havia a ver no coração das trevas. Ora, o que Floresta Negra propõe é justamente o negativo disto, uma vez que o entalhe passa a ser em alto relevo, aliás texturado de modo muito profuso.
Yet Black Forest was after all foreseen in the final pieces of Underwater. Like an Orlando furioso, the pieces reclined on a severe wood carving, in which the line was made by absence, by tearing, as if seeking out in writing the beloved object: for a visual artist always the represented object. The white sheet was black, and the cut was the line that unveiled, through a solution of continuity, the heart of the represented, or what was to be seen in the heart of darkness. Black Forest negates this view: the carving becomes high relief, textured profusely.
Se o desembarque interior nas cidades tendia, assim, a ser uma viagem de debate e não de remissão, em tudo, e paradoxalmente, contrária à ideia de resgate, a sua reflexão posicionava-se, justamente, numa ideia de corte interno, de desajuste interior, procurando a irrespirabilidade pictórica enquanto modo de ver uma deslocação ambiental que poderia representar a passagem de um ambiente não natural hospitaleiro para um ambiente natural e inóspito.
If the interior landing in the cities thus tended to be a journey of debate and not of remission in everything, and paradoxically, contrary to the idea of rescue, its reflection was rightly positioned in an idea of internal cutting, internal mismatch, seeking pictorial breathlessness as a way of seeing an environmental dislocation that could represent the passage from an unnaturally hospitable environment to a natural and inhospitable one.
E essa transição fazia entrever no peixe a malha urbana, e nas escamas do peixe se via contida a própria rede. A sua passagem parecia privilegiar paisagem menos rarefeitas, ainda que desumanizadas e destruídas pelo humano, supondo-se a cor como uma exuberância de destruição.
And that transition made the fish glimpse the urban mesh; in the scales of the fish one could see contained the net itself. Its passage seemed to privilege less rarefied landscapes, although dehumanised and destroyed by humans, assuming colour as an exuberance of destruction.
Há nesta passagem do mar para a floresta um elemento sublime e subliminar. Onde a sua ‘fase’ Underwater dialoga — sintomática e profeticamente — com La fôret merveilleuse de Amadeo Souza-Cardoso, na sua florescência exótica e abundante, a sua Floresta Negra parece introduzir agora o seu volume monocromático, passando a sugestiva luxúria visual a um olhar do artista envolto num aparente enigma monocromático.
A floresta deixa de ser escamática e passa a ser esquemática. De resto, a ausência do peixe localiza in absentia a desterritorialização do universo bestial que era, ali, lugar de humanidade.
There is in this passage, from the sea to the forest, a sublime and subliminal element. Where his Underwater 'phase' dialogues - symptomatically and prophetically - with Amadeo Souza-Cardoso's La fôret merveilleuse, in its exotic and abundant flourish, his Black Forest now seems to introduce its monochrome volume, passing the suggestive visual lushness to a gaze of the artist wrapped in an apparent monochrome enigma.
The forest ceases to be ‘scale-atic’ to become schematic. The absence of the fish locates – in absentia – the deracination of the bestial universe which was once there, the place of humanity.
É como se esta floresta de JAS reatasse o conflito anterior das cidades e amputasse a fauna em benefício de uma desolação, de uma não-presença, um lugar de solidão interior que é localizado precisamente na ausência de um qualquer bestiário. Aparentemente, a ordem e desolação de Underwater ter-se-ia encarregado de resgatar os animais a salvo do olhar de desolação do mais recente JAS. O seu olhar parece agora ser aquilo que vê do interior de uma cela asfixiante que só por ilusão claustrofóbica parece minúscula.
A floresta, na sua sinistra espacialidade, parece reconfigurar o viajante perdido numa rede de enganos visuais que é o olhar sobre si mesmo. E aqui se explica a natureza enigmática das pinturas. Elas parecem evocar a natureza dos quebra-cabeças, análoga ao jogo dos 15, em que cada pastilha deverá ser deslocada até se resolver a ordem numérica através da movimentação da sua adjacência. A inclusão desta possibilidade de fractal transformado em quebra-cabeças graceja com a aparente dimensão labiríntica da floresta.
It is as if this forest of JAS reactivates the previous conflict of cities and amputates the fauna in favour of a desolation, a non-presence, a place of inner solitude that is located precisely in the absence of any bestiary. The order and desolation of Underwater apparently would have taken it upon itself to rescue the animals safe from the bleak gaze of the latest JAS. His gaze now seems to be the one who sees from inside a suffocating cell, that only by claustrophobic illusion seems tiny.
The forest, in its sinister spatial frame, seems to reconfigure the traveller lost in a net of visual mistakes that is the gaze on oneself. And this explains the enigmatic nature of the paintings. They seem to evoke the nature of puzzles, analogous to the Game of Fifteen, in which each tile must be moved until the numerical order is resolved by moving its adjacency. The inclusion of this possibility of a fractal transformed into a puzzle jokes with the apparent labyrinthine dimension of the forest.
Não é tanto o que é visto mas o que vê aquele que dá a ver, no fundo, viajante de si mesmo. Ele é agónico em si, do seu olhar, e o abandono de qualquer tentação figurativa espelha o encarceramento a que o seu olhar foi votado. É como se o viajante não pudesse visitar outra coisa que não a si, estando, precisamente, em si encarcerado. Aparentemente, a asfixia subaquática de Underwater deu lugar a uma irrespirabilidade da Floresta Negra, a um desassossego que visita a agonia do observador, e propõe e amplia, em certo sentido, os capilares da alma.
It's not so much what is seen but what sees the one who makes it visible, deep down, a traveller of himself. He is agonizing in himself, from his gaze, and the abandonment of any figurative temptation mirrors the imprisonment to which his gaze has been condemned. It is as if the traveller could visit nothing but himself, being imprisoned precisely in himself. The underwater asphyxia of Underwater seems to have given way to a Black Forest breathlessness, a restlessness that visits the agony of the observer, and proposes and expands, in a sense, the capillaries of the soul.
A certa altura de A Floresta de Enganos de Gil Vicente, Copido pergunta a Apolo: Pues, qué haces por aqui, por esta floresta de engaños? Estaremos perante um tipo de rescaldo, uma visitação a uma representação que emula o material que é extraído da floresta e que possibilita o próprio medium do artista. Assim que o artista possa no fundo estar a interrogar-se sobre a prisão do seu olhar, olhando de dentro a sua própria obra à procura de uma clareira de sobrevivência.
At some point in Gil Vicente’s The Forest of Mistakes, Cupid asks Apollo: Well, what are you doing here, in this forest of mistakes? We are facing a kind of aftermath, a visit to a representation that emulates the material that is extracted from the forest and that makes the artist's own medium possible. While the artist may deep down be questioning himself about the imprisonment of his gaze, he is also looking from within his own work in search of a clearing for survival.
Daniel Jonas
Note: You can see all available artworks from this Exhibition at our Collect Page