DIF Mag #118: As (novas) Galerias Como Expansão Cultural
Oct.2017
Wozen | News Release
João Pedro Fonseca, artista visual e director das residências artísticas ZONA, foi convidado a escrever um artigo para a DIF, edição 118, a falar sobre o panorama galerístico actual em Lisboa. Foram abordadas cinco galerias emergentes da cidade: Balcony, Shiki Miki, Tara Gallery, The Room - Video Project e a Wozen Studio. Uma introdução ao desenvolvimento artístico que tem vindo a despontar em Portugal e os desafios de se sustentar espaços culturais independentes. Segue abaixo na íntegra a entrevista com Rique Inglez, artista residente e co-fundador da Wozen.
1. Como nasceu o projecto WOZEN?
R.I.: O projeto Wozen surgiu cerca de 3 meses após a minha chegada a Portugal, em Setembro de 2015, quando meu sócio, na época apenas um grande e antigo amigo, Johnny Lisboa, trabalhando no mercado imobiliário no Rio de Janeiro, enviou-me uma mensagem perguntando se eu gostaria de visitar um imóvel ao pé do MNAA, em Santos, que esteve fechado por 15 anos e necessitava de grandes reformas. A ideia inicial era fazer apenas um estúdio de tatuagem para que eu pudesse retornar efetivamente ao trabalho em Lisboa. Quando cheguei ao imóvel, descobri que o mesmo era composto por 2 salões que totalizavam mais de 150 m2, o que era muito grande para um estúdio de tatuagem, mas perfeito para uma galeria, um estúdio para residência E um estúdio de tatuagem. Em Janeiro de 2016 nós iniciamos as obras no espaço enquanto o Johnny organizava sua mudança para Lisboa em março e nós abrimos as portas da Wozen em Maio, com a exposição colectiva Flecha, uma brincadeira com a feira ARCO Lisboa, que acontecia na mesma época.
2. Tenho a observar que a vossa galeria tem um ponto de foco que é as o facto dos artistas terem a possibilidade de trabalhar em residência, há muita procura das condições? Como é gerida essa logística?
R.I.: Sempre foi nossa ideia organizar a Wozen como uma residência, mas ela só se iniciou efetivamente durante nossa segunda exposição, a também colectiva Glocal - No Regional de um Espaço Sem Fronteiras, com a chegada do luso angolano Francisco Vidal. Inicialmente convidado apenas para participar da exposição, Vidal se encantou por nosso espaço e por nossa filosofia de trabalho, na qual buscamos desenvolver relações muito mais próximas com os artistas do que as galerias tradicionais estão acostumadas, e nos pediu para continuar em residência após o término da exposição. Nós então estruturamos o espaço e a Wozen ganhou sua formação actual, com um espaço de exibição / residência.
Com o término da residência do Vidal, em novembro, nós estamos nos preparando para reestruturar o espaço de forma que ele possa suportar mais de um artista em residência, as quais passariam a durar 3 meses, tendo os artistas toda liberdade para utilizar o espaço de exibição como bem entenderem. Ainda estamos em um momento de transição, já que a maior parte da procura de artistas pela Wozen ainda é em busca de exposições, mas nós queremos que todas as exposições sejam fruto de residências no futuro, pois chegamos à conclusão de que os melhores trabalhos são produzidos dessa forma. Acreditamos que a melhor curadoria é feita pessoalmente e as melhores exposições, projetos e conceitos nascem da troca de ideias entre artistas, galeristas e público, diariamente dentro do estúdio. Estamos indo também em busca de apoio para podermos modernizar o estudio e trazer e manter residentes que venham de fora de Lisboa no próximo ano, mantendo nosso conceito global de World Citizenship.
3. A arte portuguesa, no vosso ponto de vista, tem vindo expandir e a variar as suas correntes expressivas? - acham que futuramente nos podemos destacar dos restantes focos da arte europeia?
R.I.: Sim! Esse inclusive é um ponto muito querido e discutido por nós aqui na Wozen, pois vemos que a arte portuguesa tem ótimas oportunidades para se destacar nos próximos anos. A primeira e mais importante, ao nosso olhar, são os laços culturais muito próximos com vários países africanos e o Brasil, potências criativas ainda obscuras no cenário eurocêntrico da arte mundial. Portugal está numa excelente posição (inclusive geográfica) para tirar um proveito enorme dos intercâmbios artísticos e culturais destes encontros de 3 continentes que ocorrem diariamente em Lisboa, por exemplo. Muitos outros aspectos positivos para a sociedade surgem dessa aproximação, mas para a arte portuguesa em particular, isto pode ser um verdadeiro diferencial, no momento em que grandes galerias e instituições voltam seus olhos para estes leões adormecidos em busca de artistas ainda desconhecidos. Há também um fator cíclico que várias outros países do mundo já experimentaram: a atração de criativos, principalmente jovens, de todo o mundo, para cidades com custo de vida barato. Desse fator surgiu a Wozen, por exemplo, e posso apostar que boa parte das outras galerias que estás a contactar. Infelizmente, esse ciclo geralmente é fechado por uma onda de gentrificação e aumento do custo de vida que termina por expulsar os criativos para outras polos. Torço para que as cidades de Portugal possam fugir desse destino sombrio. Por último, acreditamos que o fato de Portugal não estar inserido ainda no círculo "mainstream" da arte contemporânea europeia é ótimo para nós, pois retira a pressão das grandes instituições, eventos e do grande capital sobre os trabalhadores da arte, permitindo que projetos muito mais experimentais possam surgir e se manter tempo suficiente para se consolidarem. Esta é uma excelente forma para a arte se desenvolver, com múltiplos focos em menor escala, o que possibilita a criação de uma verdadeira comunidade em que todos se beneficiam de alguma forma. Cidades como Lisboa e Porto, principalmente, tem ótimas chances de se destacar no cenário da arte européia nos próximos anos, e tudo depende de nós, como uma sociedade, entendermos e defendermos a importância de uma cultura bem desenvolvida e acolhedora para todos.
4. Esta expansão e necessidade territorial em abrir portas para as artes contemporâneas é um reflexo de uma necessidade particular em os nossos artistas quererem expressar-se? Dado o estado do país a nível econômico há algum factor que esteja a instigar essa necessidade?
R.I.: Acho que todo artista sente uma necessidade inerente e constante de se expressar, e isso muitas vezes é exactamente o que leva alguém a perseguir uma carreira na arte. O que varia muito são as condições para que estes artistas possam se expressar e viver. Como dissemos acima, o fato do custo de vida em Portugal ainda ser menor que a maioria dos países da zona do euro tem grande influência na atração e manutenção dos artistas nas cidades. Aqui ainda é possível (mesmo que na maior parte do tempo difícil) viver, trabalhar e continuar criando. É ótimo também perceber que há um incentivo, inclusive pelo governo, em promover industrias criativas como parte do plano de reconstrução econômica, e apoiar a cultura como forma de melhoria das condições de vida da população. Geralmente em crises profundas, a primeira vítima é a cultura, como vem ocorrendo no Brasil no momento, mas a mentalidade portuguesa é diferente, de proteção à cultura, pelos portugueses entenderem que é isso que define a identidade de um povo. Se as condições forem favoráveis, artistas irão se expressar, se associar e simplesmente criar. Todas as outras indústrias ainda podem se beneficiar dessa explosão criativa, como vem acontecendo com diversos restaurantes, bares, hotéis e festivais em Lisboa.
5. Aguentar uma casa da cultura e das artes em Portugal é difícil? Como se gere essa gestão?
R.I.: Acho que aguentar uma casa da cultura e das artes em qualquer país é difícil. Infelizmente, a arte ainda é vista pela maioria como um luxo, um extra. Necessário é um bom smartphone e roupas da moda. Enquanto a cultura do consumismo superficial permear as relações humanas, será difícil para qualquer um sobreviver com a venda de arte, pois há todo um exercício inicial para que o público geral entenda a importância e o verdadeiro prazer de colecionar obras, conhecer e apoiar artistas e projetos criativos. Boa parte dos nossos esforços como galeria vai para este objetivo, já que somos novos no meio e não temos acesso aos grandes colecionadores de Portugal, que geralmente reservam sua atenção às galerias mais estabelecidas. Sempre fomos realistas quanto às nossas possibilidades e, desde o início, planejamos uma estratégia para diversificar as nossas fontes de receita. Além da venda direta das obras, nós temos um estúdio de tatuagem que recebe artistas contemporâneos de todo o mundo durante o ano, discretamente ativo no mezanino do espaço de exibição. Também fazemos diversos workshops com os artistas, para diversas idades e públicos alvo, o que contribui para nosso objetivo de aproximar o público e trazê-lo para o ambiente de criação da galeria. Nós vendemos livros, posteres, séries de impressões originais, adesivos, promovemos cursos independentes de educação criativa e artística e também agenciamos alguns artistas em trabalhos externos como pinturas e instalações. Nossa estrutura permite que não sejamos dependentes apenas da venda direta de obras, o que foi essencial para nossa sobrevivência em um país como Portugal, com pouco dinheiro em circulação. O segundo elemento fundamental foi cortar ao máximo nossos custos. Nós temos apenas 1 funcionária, Carol Martins, que é um verdadeiro prodígio no sentido de assumir as mais diversas funções com a mesma desenvoltura. Nossa equipe de apenas 3 pessoas conseguiu desenvolver métodos de produção e comunicação extremamente eficientes e baratos, e tentamos nos associar a artistas que compartilhem desta mentalidade, sempre deixando claro que somos uma galeria experimental e independente e, por conta disso, temos enormes limitações financeiras. Costumamos dizer que o desafio dentro da Wozen é fazer o máximo gastando o mínimo, sempre mantendo os pés no chão e buscando uma evolução constante e sólida. Ainda criamos todo um círculo de amizades e associados que nos ajudam voluntariamente em momentos de necessidade, por acreditarem no projeto e no que a Wozen representa para a comunidade.